sábado, 20 de novembro de 2010

Dentes e formigas

Brancaleônica guerrilha, heróica, poética, visionária, pretenciosa, ingênua, torturada e mártir. Otilha,19 anos. Recorde,140 horas sem cantar. O sangue escorria, os pedaços ficavam no ralo entupido de cacos, cascas de banana e centenas de pontas de cigarros. Para de fumar tenente!
"Dói mais em mim do que em ti," disse o canalha. Nunca esqueci o olhar, não o do verme, o da moça, é o mesmo de hoje. Contei 16 pauladas nas costas com um 8x8, pedaço de pau de 8cm X 8cm usado para espancar presos, ela vomitava mas não dizia palavra. Adiantavam o relógio, pois 24 horas sem comunicação a guerrilha saia do "aparelho".O preso resistia 24hs e aí podia falar q ninguém seria pego. Ciente da maracutaia dos torturadores, perdida no tempo mas firme no caráter sofreu horrores e não cantou. 140 horas.Taquiupariu!! Tosca e coberta de zinco é a Cadeira do Dragão. Uma ponta do fio foi enrolada no canino e a outra introduzida na vagina. Lá vem a "maricota". Urro apavorante, urina, fezes, lágrimas e sangue. Oito vezes. O chorume trouxe a baga de cigarros, algemado peguei e mastiguei. Amarga é a vida. Abri os olhos em dois minutos, Otilha passava a mão na minha cabeça.Vestia um casaco de fatiota puído sobre o corpo nu."Seis dias," falou. "Dois minutos" discordei."Seis dias" enfatizou com lábios esborrachados de pancadas. "Porque continuo algemado" quis saber. Otilha chorou. "Abraça os joelhos" disse "Branco" e passou o cano de ferro entre meus braços e pernas. Pau de Arara. Olhava no chão uma coluna de formigas. O tenente lustrava os coturnos, Branco não cuidava os sapatos, não via além de um metro do chão. Dois dentes cairam por cima das formigas. Cocei a cabeça com as duas mãos, só então notei que estava sem algemas. "Água?" ofereceu o preso barbudo, bebi tudo."Que dia é hoje?" indaguei. "Nós vamos sair", disse o homem. "Sequestraram mais um embaixador", completou. Um metro e oitenta e três de altura e 53kg entrei no avião.

Eduardo Simch