sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"Crimes contra a humanidade não têm anistia"


Direto do www.rsurgente.opsblog.org
Democracia brasileira depende de punição de crimes da ditadura
Seminário sobre o direito à memória e a verdade discutiu os mitos que conduzem à impunidade, até hoje, dos responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos, se esta punição não vier, o país jamais sairá da atual fase de transição democrática. “Não nos iludamos, a democracia não está consolidada no Brasil”, afirmou. Bia Barbosa
Recontar a história, para que o que aconteceu não se repita. Este é o principal objetivo dos milhares de brasileiros e brasileiras que lutam pelo direito à memória e à verdade aos que morreram durante a ditadura militar ou seguem desaparecido mais de vinte anos depois. Manchete nas páginas da imprensa, o tema vem sendo debatido no país, onde muitos defendem que não se deve mexer no passado. Num seminário realizado nesta quinta-feira (28), durante as atividades do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, promotores e sociólogos debateram a importância de garantir este direito para que o país ultrapasse uma fase ainda de transição para a democracia. E, com propriedade, desconstruíram os argumentos míticos que há décadas conduzem à impunidade daqueles que cometeram crimes contra a humanidade.
Uma das idéias centrais no debate público sobre o tema é que os crimes da ditadura prescreveram, ou seja, passou-se muito tempo e agora não há mais como responsabilizar eventuais culpados. Desde o início do século passado, no entanto, crimes como tortura e desaparecimento forçado, quando praticados pelo Estado de forma geral e sistemática contra grupos sociais, são considerados crimes contra a humanidade. Em 1914, entrou em vigor uma convenção das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil, que estabelece este conceito. Décadas mais tarde, outra resolução da ONU definiu que crimes contra a humanidade não prescrevem.
“Ou seja, na esfera internacional e também no Brasil, que trouxe esses conceitos para o seu ordenamento jurídico, esse argumento da prescrição não se aplica. Nem leis, nem decisões de tribunais e governos de países podem impedir que se investigue e puna aqueles que praticaram esses crimes com base nesta justificativa”, explica Domingos Sávio da Silveira, procurador da República.
O segundo argumento-mordaça para impedir a garantia do direito à memória e à verdade é que a Lei de Anistia pacificou o país, e que não há por que ser revanchista e voltar ao conflito. Na verdade, a Lei 6683, de 1979, anistiou os crimes políticos, eleitorais e conexos, dirigida aos que haviam sido perseguidos politicamente pela ditadura.
“Esta não era uma lei para os militares, ou vocês acham que eles iam admitir na lei que tinham torturado e matado nos porões? O poder não confessa o que praticou às escondidas. Esta foi uma lei unilateral, apresentada como pacificadora, para se tornar uma lei do esquecimento”, acredita Silveira. “A anistia aqui surgiu para que não houvesse acesso aos nomes de quem se envolveu nisso. Mas o Brasil precisa saber tudo. Nome completo e circunstâncias”, acrescenta o jornalista e sociólogo Marcos Rolim.
Em busca da democracia
O problema é que o país vive entre aqueles que não podem esquecer e aqueles que não querem lembrar. Para Boaventura de Souza Santos, professor catedrático da Faculdade de Economia e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal, Este é um momento difícil da transição da ditadura para um regime democrático.
“As vítimas e familiares e aqueles que lutam pela democracia sabem que, se esquecermos, isso pode voltar amanhã. E aqueles que não querem lembrar porque tem muito poder hoje, vivem uma vida que não querem abandonar. É por isso é tão difícil lembrar que nenhuma Lei de Anistia pode abranger crimes contra humanidade. E por isso esta é uma luta política do mais alto nível. Se a interpretação que for dada à Lei de Anistia no Brasil decidir apagar os crimes contra a humanidade, podemos dizer que a ditadura ainda está presente, pela incapacidade de este país saber a verdade”, acredita Boaventura.
Trata-se, portanto, de uma transição que precisa democratizar o passado, para democratizar o presente e o futuro. E uma transição que tem enfrentado resistências de várias formas, como a atuação dos próprios meios de comunicação neste debate.
“Quando os grandes veículos de comunicação reintroduzem em suas manchetes o termo pelo qual a ditadura designou a esquerda armada – “terroristas” –, forma-se um senso comum de que as duas partes cometeram crimes. E esta é uma disputa fundamental a ser travada. Pode-se fazer muitas críticas práticas e procedentes à esquerda que pegou em armas e praticou atos que não são sustentáveis do ponto de vista dos direitos humanos, mas do ponto de vista histórico, é inaceitável chamar essas pessoas de terroristas. É preciso lembrar que um dos princípios mais consagrados pelo liberalismo político no campo jurídico é o direito e o dever à resistência armada aos regimes autoritários”, acrescenta Marcos Rolim.
Ao final, na avaliação dos participantes do seminário, tal utilização de conceitos e princípios leva a uma compreensão perversa e que impede o direito à memória e a verdade. “Dizer que o direito à verdade é revanchismo é uma perversão do conceito de justiça. Sem contar que hoje são eles que se dizem defensores da liberdade de expressão. Essa era uma bandeira das forças progressistas, e hoje aparentemente é deles. Há, portanto, uma conexão e uma aliança sinistra entre quem tem privilégios hoje e quem tinha antes. E por isso uma luta pela memória é uma das mais democráticas que podemos viver”, afirma Boaventura.
Ficou claro, ao final do debate, que o mais importante é reescrever o passado. Não para punir criminalmente – apesar de isto ser absolutamente viável – mas para recompor a história do país e completar o quebra cabeça da nossa história. Se a verdade, como lembrou Rolim, é uma construção subjetiva, que pode ganhar novos significados a depender da interpretação e dos valores dados a cada fato, os movimentos que constroem as lutas do Fórum Social Mundial têm pela frente o esforço de decidir qual a memória coletiva sobre a ditadura militar que querem para o Brasil. Do contrário, sem jogar luzes sobre a tortura do passado, seguiremos longe da tarefa de banir, de vez, a tortura das práticas dos agentes estatais brasileiros e de conquistar, finalmente, a democracia em nosso país.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Carta do cineasta Silvio Tendler ao ministro Nelson Jobim

Carta do cineasta Silvio Tendler ao ministro Nelson Jobim
O cineasta Silvio Tendler enviou carta ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, defendendo que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos. Tendler critica a posição do ministro, contrária à punição aos torturadores. "Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos", escreve o cineasta.
Silvio Tendler

Carta encaminhada pelo cineasta Silvio Tendler ao ministro da Defesa, Nelson Jobim:
Ao Ministro da Defesa Exmo. Dr. Nelson Jobim

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.
Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos -̶ hoje somos mais de dez mil -̶ assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa dos direitos humanos. O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.
Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores. O que está em juízo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição.
Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.
De qualquer maneira os golpistas de 64 protegidos pela lei de anistia não serão anistiados pela história. Fecharam e cercaram o Congresso Nacional. Inventaram a excrescência chamada de Senador Biônico para não perder, pelo voto, o controle do Senado em plena ditadura militar. Os chefes militares podem ficar tranqüilos que seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram contra um país, contra uma geração inteira, a minha, que desaprendeu a falar e pensar em liberdade. Nada disso está em juízo. Vinte e cinco anos depois de iniciada a transição democrática, o que está em juízo não é o processo de anistia política.
Tranqüilize seus colegas militares, ministro. O regime militar não está sendo julgado pela quebra do sistema público de saúde ou pela quebra do sistema educacional. Estamos pedindo a punição contra criminosos comuns por crimes de lesa humanidade. Queremos o julgamento e condenação da prática de crimes hediondos. Só isso. Assusta a quem? Em nome do quê o Brasil será eternamente refém de bandidos? O que justifica acobertar crimes condenados por todos os códigos, normas e tribunais internacionais em matéria de direitos humanos? O Sr. deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar.
Despontei pra a vida adulta baixo a ditadura militar. Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias. Eu queria viver num país livre e tinha sentimentos de profunda repugnância a ditaduras. Meus amigos também eram assim. Participei de passeatas, diretórios estudantis e cineclubes. Queria derrubar a ditadura fazendo filmes. Acreditava que era possível. Em 1969, um companheiro de Cineclubismo seqüestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso. Desconhecia as intenções e a organização do seqüestro. Meu crime foi ser amigo – sim, meu crime foi o de ser amigo de um seqüestrador. Quase fui preso e morreria na tortura sem falar, não por ato de bravura, mas por absoluto desconhecimento de causa. Não pertencia a nenhuma organização revolucionária. Não sabia nada sobre o seqüestro.
Escapei dessa situação pela coragem pessoal de minha mãe que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica que, naquele momento, ao invés de dedicar-se a cumprir sua missão constitucional de proteger nossas fronteiras, prendiam, torturavam e matavam estudantes. Tive também a ajuda do Coronel Aviador Afrânio Aguiar que empenhou-se até a medula para que não fosse preso e massacrado na Aeronáutica. A ele dedico meu filme mais recente "Utopia e Barbárie". Sem ele, dificilmente estaria contando essa história hoje aqui. Outras pessoas também me ajudaram a sair vivo dessa história mas como não tenho autorização para citá-los e estão vivos, guardo nomes e lembranças no coração.
Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Saí do Brasil legalmente com passaporte, ainda que tenha ido ao DOPS explicar por que saía do Brasil. Eles sabiam as razões pelas quais saía (como é cantado na música, "Não queria morrer de susto, bala ou vício"). Em Janeiro de 1971,do Chile, mandei uma carta para minha mãe, trazida por uma portadora, senhora de boa cepa, que fora visitar o filho no exílio em um gesto humanitário se ofereceu, ingenuamente, para trazer correspondência para os familiares dos exilados. O gesto lhe custou prisão e "maus tratos" nas dependências da aeronáutica. Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. A carta foi entregue em Copacabana por militares do Doi-Codi que arrombaram minha casa, arrombaram móveis a procura de metralhadora (Assim entenderam "máquina de escrever"). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos "patriotas"que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa. Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde oliva do inferno.
Sim ministro, havia muita gente decente nas forças armadas ou que gravitavam em torno dela e que faziam o que podiam para ajudar pessoas. A maioria, prefere, até hoje, não revelar seus gestos por medo dos que praticando atos dignos dos piores momentos da máfia intimidam e atemorizam pessoas de bem. Pior do que o relógio foi o destino do ex-deputado Rubens Paiva que foi preso no mesmo dia e nunca mais encontrado. Os senhores fazem muita questão mesmo de proteger os canalhas que seqüestraram e assassinaram o ex-deputado pelo crime de ter recebido correspondência pessoal de exilados no Chile? A quem interessa essa “Omertá"? Ministro, para esses crimes não há justificativa e menos O que leva a chefes militares e o Ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguido de roubo, são atos políticos passíveis de anistia?
Desculpe a franqueza, mas não consigo entender. Em nome do futuro democrático do Brasil , espero que a banda podre, montada no Dragão da Maldade, não saia vitoriosa.
Os chefes militares pronunciam-se a favor do pagamento de reparações às vitimas do arbítrio como um ato indenizatório. Pagamento este feito com recursos públicos desviado de finalidades mais nobres para ressarcir prejuízos causados por canalhas que deveriam ter seus bens confiscados e pagarem com recursos próprios os crimes que cometeram. Muitas empresas que se locupletaram durante a ditadura e inclusive financiaram o aparato repressivo poderiam participar dessas indenizações. No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor (nunca fui exilado, nunca me apresentei assim). E vivo bem com meu trabalho de cineasta há quarenta anos e professor universitário há 31. Se fosse pago com recursos dos bandidos, aceitaria de bom grado. Recursos públicos não. Cada centavo que aceitasse, me sentiria roubando de uma criança ou de um homem ou uma mulher humildes que precisam mais desse dinheiro numa escola pública, num posto médico, do que eu. Não recrimino quem, por necessidade ou sentimento de justiça, o faça.
A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado. E quando digo que penso no futuro e não no passado é porque a punição exemplar de criminosos desestimulará semelhantes práticas no futuro e terá uma função pedagógica para os que caiam em tentação de uso indevido dos poderes do Estado, que entendam que não vivemos no país da impunidade.Justiça, peço apenas justiça.
Bom 2010 para o sr.
Atenciosamente,
Silvio Tendler
P.S. Falamos de tanta coisa mas esquecemos de comentar dois crimes cometidos depois de 1979 que já não estariam cobertos pela lei de anistia: O assassinato de D. Lyda Monteiro da Silva, secretaria do Presidente da OAB, a mutilação do jornalista José Ribamar em 1980 e, em 1981, a bomba que explodiu no Riocentro que causou a morte de um sargento e graves ferimento no Capitão. Imagino que enquanto advogado, o quanto lhe repugna o assassinato da secretária do Presidente da OAB e a mutilação de um jornalista. Tantos anos decorridos, talvez ainda seja possível descobrir "os comunistas" responsáveis pela bomba do Riocentro, como concluiu o vexaminoso IPM instaurado na ocasião.
Por falar em comunistas, movimento que condenava a luta armada, o que dizer do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho e do desaparecimento do dirigente Davi Capistrano? Seus assassinos terão imagem, nome e sobrenome ou continuarão protegidos por este exército das sombras?

Silvio Tendler

Muvuca

AraRuta, aRARuta, ê, ê, ê, e, filhA da p...
CarnaVai tifU, carnaVai tifUU.
Pachacha SeminOva, quaSe veLHa,
PachAcha Seminova, qUAse velhA.
Onório LeMos no teu U boteMos.
diZ quE Não tem denTe mas mORdE o Da gEntE.
CavaLiNHO, caValinhO, nUUnnnda,
CavaLInho, cavalNho, nUUUnnnnda.
DiGuE, diGUE, dii, vAi fecHá,
DiGuE, diGUE, dii, vAi fecHá.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

DESTINO ACERTA CONTAS COM BORIS CASOY

Panfleto do CCC pregando o golpe contra
João Goulart: terá sido escrito por Casoy?
Por Celso Lungaretti

Na noite desta 3ª feira (5), as dezenas de postagens no YouTube referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy inadvertidamente fez sobre os garis no Jornal da Band já haviam sido vistas 2,5 milhões de vezes.
Só a mais assistida estava na casa de 940 mil hits. Casoy realmente bombou na Web... só que da forma mais negativa possível.
Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações de Ano Novo de dois simpáticos garis: um senhor branco com cabelos já grisalhos e um negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com seu ar digno e uma alegria que não parecia forçada.
Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo, comentando com a equipe:
"Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho!"
No dia seguinte, a mando da TV Bandeirantes, Casoy pediu "profundas desculpas aos garis e aos telespetadores da Band" pelo que escutaram em razão de um "vazamento de audio" (na verdade, só ouviram isso porque ele disse...).
Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente, não aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático que manifestou pelos trabalhadores humildes.
Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se não tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve mais sorte, só quebrou a cara...
Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande adiante. Ou vice-versa.
UM JUDEU COM A SUÁSTICA DO CCC
Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo.
Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais.
Para quem não sabe, o CCC foi uma organização terrorista de ultradireita que, depois de integrar o esquema golpista que derrubou o governo legítimo de João Goulart, atuou como força auxiliar da ditadura, sem vínculo formal com o regime militar, mas praticando impunemente as maiores barbaridades:
•a vandalização do teatro Ruth Escobar e o espancamento dos atores da peça Roda Viva;
•a explosão da bomba no Teatro Opinião do RJ;
•o seqüestro e assassinato do padre Antonio Pereira Neto, no Recife;
•o assassinato de um secundarista na chamada “guerra da rua Maria Antônia”;
•a invasão da PUC/SP, com o apoio da Polícia Militar, etc.
Nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como membro destacado da juventude anticomunista.
O jornalista, escritor e poeta Raul Longo fez a gentileza de me enviar dados complementares, segundo os quais o CCC também adotava como símbolo a suástica detalhe que tornou Casoy, de origem judaica, malvisto no clube A Hebraica.
Ainda de acordo com Longo, alguns frequentadores do clube chegaram a xingar Casoy de "nazista", sendo depois emboscados e espancados, sem que se identificassem os agressores.
A quartelada beneficiou Casoy, claro: foi homem de imprensa de um ministro do Governo Médici e do secretário da Agricultura de SP, Herbert Levy, outra figurinha carimbada da direita.
Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura agradável na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira mediana no jornalismo, não fosse uma moeda que caiu em pé.
HOMEM DE CONFIANÇA DO II EXÉRCITO
Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na Folha de S. Paulo.
Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.
O proprietário Otávio Frias, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava o Painel (coluna sobre os bastidores políticos), então um espaço dos mais secundários no jornal.
Igualmente secundário era Casoy para os leitores da Folha e para os próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições fascistóides eram ignoradas pela maioria.
Aí, como diretor de redação, calhou de ser ele o principal defensor do jornal num episódio de reação à censura.
Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu momento de cordeiro, o caçador de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão!
Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da Folha por sete anos (saiu para dar lugar ao filhinho do patrão), voltou a editar a coluna Painel, cuja importância crescera nesse interim.
Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador do Telejornal Brasil do SBT, entre 1988 e 1997.
Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em jornalismo e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente, chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o jeito foi deixar crescer o espaço do apresentador.
BORDÕES, POPULISMO E JUSTIÇA ILUSÓRIA
Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA, fazendo comentários catárticos sobre episódios de corrupção política (principalmente) que eram concluídos com um ou outro de seus bordões habituais: "Isto é uma vergonha!" e "É preciso passar o Brasil a limpo!".
Ou seja, para telespectadores da classe "C" e "D", ele passou a personificar o justiceiro que atirava a verdade na cara dos poderosos.
É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente essa justiça retórica e ilusória, sem perceber que, depois do desabafo, continua tudo na mesma...
Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a simpatia dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo impotente face às agruras que os atingem e eles são incapazes de compreender em toda sua extensão.
É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos desonestos. Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mantê-los na ignorância de que o maior vilão em suas sofridas existências atende pelo nome de capitalismo.
Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas últimas décadas como um aclamado populista televisivo de direita.
Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o Governo Lula, mas seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível, ignorados pelo grande público.
Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível e preconceituoso é, na verdade, Boris Casoy.
Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina em ação. Quem sabe?
Obs.: como atualizei dados e fiz um acréscimo no texto de 04/01, ao preparar a versão que entrará como editorial no site-jornal "O Rebate", resolvi substituir neste blogue a redação original pela revista na noite de 05/01.
Celso Lungaretti

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

TAGARELA, ATARANTADO, TARANTINO - VOL. 2

Por Celso Lungaretti:
Glauber Rocha tinha "uma idéia na cabeça e uma câmara na mão". Tarantino, só a câmara...
No último mês de abril, em dia tão sem notícias impactantes como hoje, escrevi sobre meus recuerdos da fase em que tentara estabelecer-me como crítico de cinema: O crítico acidental.
Foi entre 1979 e 1984. Há exatos 25 anos, a crise do papel expulsou-me das pequenas editoras em que conseguia garantir meu sustento sem fazer tantas concessões ao sistema.
Ou seja, o preço do papel subiu muito e a editora na qual eu trabalhava fixo precisou extinguir metade das revistas sob meu comando.
Com as restantes eu não conseguiria pagar minhas contas. E os frilas também estavam escasseando, naquela fase de vacas magras.
Então, tive de dar uma guinada de 180º na minha carreira, deixando de fazer o que gostava para fazer o que remunerava (razoavelmente). No caso, jornalismo econômico, que sempre me causou urticária...
Vez por outra, continuava publicando uma ou outra crítica por aí.
E me lembro de que em 1994, quando Quentin Tarantino virou o xodó dos novos bárbaros que posavam de críticos na grande imprensa, escrevi o que deveria ser escrito sobre ele.
Tagarela, atarantado, Tarantino foi o título. O Jornal da Tarde (SP) aproveitou, mas num espaço para crônicas, que eu esporadicamente frequentava.
O motivo foi o filme que ergueu a carreira até então medíocre de Tarantino e reergueu a de John Travolta: Pulp Fiction.
Simplesmente detestei que, pretextando homenagear as velhas e boas novelas policiais do passado, ele as apresentasse como o que não eram. David Goodis ficaria horrorizado.
Seus gangstêres falavam mais palavras numa única sequência do que os gangstêres da verdadeira pulp fiction no livro inteiro. Era um blablablá interminável, que me deixou com a bunda doendo: não encontrava posição na poltrona do cinema que me satisfizesse, tal o desagrado que me causaram os 154 minutos desse filme não havia nem sequer 90' aproveitáveis. Fã de carteirinha dos policiais franceses das décadas de 1960 e 1970, dirigidos por cineastas de verdade como Robert Enrico e René Clement, detestei a abordagem espalhafatosa e intelectualóide de Tarantino.
A graça do gênero estava em ser lacônico, seco, despojado. E, nas mãos de um Jose Giovanni, p. ex., não dar a mínima para juízos de ordem moral.
FRANCESES DESCARTAVAM
MANIQUEÍSMO HOLLYWOODESCO

Ou seja, o cinema estadunidense sempre apresentara as histórias de gangstêres sob ótica puritana e maniqueísta. As forças da ordem enfrentando os agentes da desordem. No final, o gângster morre e os videotas têm sua ansiada catarse (agora é o terrorista quem morre, na tralha hollywoodesca típica).
Já os melhores policiais franceses (como os muitos derivados das novelas de Giovanni, que ele próprio adaptou para o cinema) interessavam-se apenas em esmiuçar as características dos dois tipos de profissionais que se opunham.
Desde o antológico O Samurai (1968), de Jean-Pierre Melville, esta passou a ser a tônica: o gângster não como uma aberração (os mad dogs do cinema estadunidense), mas como um ser humano com defeitos e também virtudes, só que dedicado a um ofício diferente.
Cinema não é púlpito, para nos impingir sermões. Deve contar histórias e nos deixar as conclusões, ao invés de embutí-las no viés adotado.
O atarantado Tarantino, no fundo, foi aclamado pelos pseudocríticos de uma época que baniu o pensamento crítico. Como o conteúdo dos seus filmes era raso como uma poça d'água, sobressaía mesmo a embalagem extravagante, copiadas dos mestres.
O que são os dois Kill Bill, se não uma mistura indigesta dos westerns de Sergio Leone com as fitas de artes marciais estreladas por Bruce Lee?
Pior: seus duelos coreografados não têm uma centelha sequer do gênio de Bruce Lee, e o visual chupado de Leone nos deixa saudades das reflexões que o mestre italiano embutia em seus filmes de ação.
A grandeza de Leone reside em ter conseguido realizar fitas atraentes para o grande público, mas que falavam muito mais aos que conseguiam fazer uma leitura mais aprofundada.
Assim, Três Homens em Conflito é um verdadeiro líbelo contra as guerras, Era Uma Vez o Oeste disseca magnificamente a relação entre mito e realidade, Quando Explode a Vingança nos ensina muito sobre as revoluções e Era Uma Vez na América se constitui numa das mais grandiosas abordagens cinematográficas da transição da sociedade aventureiresca da primeira metade do século passado para o subsequente primado insípido das grandes organizações.
Tarantino me faz lembrar uma ótima frase do Paulo Francis: você olha para um ator francês como o Philippe Noiret e vê toda uma civilização atrás dele, mas se você olha para um ator estadunidense típico, nada vislumbra além do vazio.
Sérgio Leone desenvolveu uma forma caprichadíssima, com ênfase no aproveitamento impecável das músicas de Ennio Morricone, para atrair os espectadores e tentar motivá-los a refletirem sobre temas importantes.
Tarantino copiou essa forma caprichadíssima, inclusive usando e abusando dos mesmíssimos temas de Morricone, apenas para agregar a si próprio uma aura de sofisticação. Atrás de um Pulp Fiction e de um Kill Bill nada há além do vazio.
UMA ANTI-DECLARAÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
Pior, muito pior, é seu recente Bastardos Inglórios. Trata-se de um filme que faz apologia de bestialidades a um nível que Tropa de Elite nem chega perto.
Apresenta como justificáveis os assassinatos mais cruéis e o escalpelamento das vítimas, desde que estas sejam nazistas. Direitos humanos só existem para as pessoas, com as não-pessoas tudo é permitido.
Enganam-se os que relevam a desumanidade intrínseca do filme por considerá-lo apenas uma farsa (afinal, os acontecimentos históricos são deturpados a ponto de Tarantino dar a Hitler uma morte diferente da que ele teve).
Esta lavagem cerebral hollywoodesca vem de longe e intensificou-se ao máximo após o atentado contra o WTC. Quer incutir em cada videota do planeta a noção de que vale tudo para defender a sociedade dos seus descontentes. É a anti-Declaração dos Direitos Humanos.
Ao engajar-se nessa empreitada fascistóide, Tarantino reafirmou uma velha verdade: o vazio acaba sempre sendo preenchido pela força dominante.
Então, ele está agora ecoando a ideologia do capitalismo em sua fase de putrefação, quando não tem mais valores positivos a oferecer e só tenta manter os cidadãos apavorados diante da mera possibilidade de alteração do status quo, de maneira que não se dêem conta do quanto o status quo é irracional e injusto.
Ao constatar que a mediocríssima crítica cinematográfica atual aclamou em uníssono um filme tão nocivo e desumano quanto Bastardos Inglórios, pude dimensionar para onde a indústria cultural nos está levando, como vanguarda do retrocesso que sucedeu as jornadas gloriosas de 1968: para vários séculos atrás na história da civilização, cancelando até o Iluminismo.
O horror, o horror!
Celso Lungaretti

The Adventures of Baron Munchausen

O Nascimento de Vênus é uma pintura de Sandro Botticelli, encomendada por Lorenzo di Pierfrancesco de Médici para a Villa Medicea di Castello,( 1482), aqui interpretado pela jovem Uma Thurman no filme The Adventures of Baron Munchausen .