quinta-feira, 17 de julho de 2008

11 de setembro

Esperar sempre foi para muitas pessoas motivo de ansiedade e com Everaldo não era diferente. Há vinte minutos aguardava Sonia, sua noiva que conseguira um cargo importante numa multinacional americana. Apreciando a paisagem da Big Apple sabia que as mulheres exerciam com grande competência tarefas que historicamente tinham sido exclusivas dos homens. Orgulhava-se de Sonia que com seu diploma na bagagem encarara um país estrangeiro e vencera, só não gostava de esperar, ainda mais naquela altura vertiginosa. Idéia da moça que queria comemorar o reencontro num monumento da cidade, mas Everaldo havia imaginado a estátua da liberdade, o museu de arte moderna, talvez algum ponto turístico na bahia de Houston, jamais imaginara que sua noiva escolheria o topo de uma das torres gêmeas. O homem que desde a infância tinha fobia de altura suportava a vertigem pelo amor a Sonia. No 22º andar, eufórica, a mulher aguardava o elevador social ao qual fazia jus pelo cargo conquistado. Ciente de seu atraso, não via o momento de encontrar o amado e contar-lhe que trabalhava naquele prédio. Isso mesmo, regozijava-se em pensamento, ela, brasileira de cidade do interior do Brasil, trabalhando no prédio mais alto de Nova York. Símbolo do capitalismo mundial. Esforçara-se muito para conseguir a função de diretora adjunto no escritório comercial da Boston & Boston Corporation, que possuía meio andar no prédio do Word Trade Center. Everaldo no topo da torre misturava impaciência e expectativa, ansiedade potencializada pela vertigem de altura. Era sua primeira viagem a América do Norte, mal falava o idioma, razão pela qual já tinha sido taxado de “cucaracha” pelo motorista do táxi que o trouxera ao prédio e ainda tivera de subir pelo elevador de serviço. Começara a sofrer a discriminação na própria carne. Mas não queria decepcionar a noiva com suas reclamações terceiro-mundistas. E Sonia realmente transbordava de alegria naquela ensolarada manhã. Quando o elevador chegou, apenas funcionários do segundo escalão estavam no móvel vertical, (nome chique para elevador), pois diretores e presidentes das grandes corporações só vinham à tarde, quando apareciam para trabalhar. O estrondo chegou com segundos de atraso. Primeiro o elevador transformou-se em forma de ampulheta, como uma lata de refrigerante amassada bem ao meio. A cabeça da bonita ascensorista parara no colo de Sonia, decepada por uma das tantas laminas de aço que compunham o elevador social, em seguida, em meio ao ruído ensurdecedor, os cabos se romperam e a caixa metálica teve queda livre até o térreo matando a todos no seu interior. Everaldo, no terraço, com meio corpo para fora do parapeito nem tentou entender o que acontecia e superando o medo de altura, conseguiu voltar para o topo num esforço digno de super-herói de história em quadrinhos. A laje do terraço envergada começou a ruir levando consigo as pessoas que ali estavam. O homem batendo em antenas, pedaços de ferro, caixas de ar condicionado despencou oito andares e caiu num recinto cheio de escombros, onde desmaiou. Foi acordado pelo barulho da segunda torre desabando em chamas, nesse instante em meio ao inferno de gritos e sirenes, vislumbrou por uma fresta sob os entulhos de vidro, aço e concreto, algo parecido com a cabine de um avião. A enorme cápsula estava retorcida na imensa sala que ele se encontrava. E entre o pavor da tragédia e o alívio de apenas sofrer ferimentos leves ficou em pé. Com um pedaço de ferro conseguiu tirar o único piloto vivo do bico da aeronave. O homem não usava o tradicional uniforme dos aviadores comerciais, vestia roupas civis, parecia catatônico. Everaldo o sacolejou, deu vários tapas em seu rosto até reanimá-lo. O piloto levantando-se e ignorando seu salvador, olhou para fora do prédio, depois se voltou para Everaldo e sorrindo, disse algumas palavras numa língua que o ex-noivo também não compreendia, só identificando a palavra Alá. Depois disso, com os olhos cheios dágua falando um inglês sem sotaque deu um forte abraço em Everaldo, que continuou sem compreender nada. Os dois homens perderam a conta dos lances de escada que desceram juntos, entre entulhos, cadáveres e desabamentos, superaram os terríveis obstáculos. No segundo andar conseguiram saltar no amontoado de pedras e escombros passando por uma retorcida ventana metálica. Help! Gritou Everaldo, até ser socorrido por uma das inúmeras equipes de resgate que já se encontravam no local. Tentava dizer que havia outro sobrevivente, mas na América quem não fala o idioma corresponde a ser mudo, assim como mudos são os desígnios de Alá.

To drink or not to drink

Bico-de-pena e aguada